Colunistas da mídia estão festejando
com sua habitual hipocrisia estridente a decisão do Supremo de ontem de mandar
prender boa parte dos réus.
Dirceu preso era o sonho menos deles
do que de seus patrões.
Num momento particularmente abjeto da
história da imprensa brasileira, dois colunistas chegaram a apostar um vinho em
torno da prisão, ou não, de Dirceu.
Você vai ler na mídia intermináveis
elogios aos heróis togados, aspas, comandados pelo já folclórico Joaquim
Barbosa.
Mas um olhar mais profundo, e menos
viciado, mostra que o Mensalão representou, na verdade, uma derrota para a
elite predadora que luta ferozmente para conservar seus privilégios e manter o
Brasil como um dos campeões de desigualdade social.
Por que derrota, se a foto de Dirceu
na cadeia vai estar nas manchetes?
Porque o que se desejava era muito
mais que isso. O Mensalão foi a maneira que o chamado 1% encontrou para repetir
o que fizera em 1954 com Getúlio e 1964 com João Goulart.
Numa palavra, retomar o poder por
outra via que não a das urnas. A direita brasileira, na falta de votos, procura
incansavelmente outras maneiras de tomar posse do Estado – e dos cofres do
BNDES, e das mamatas proporcionadas por presidentes serviçais etc etc.
A palavra mágica é, sempre,
“corrupção” – embora nada mais corrupto e mais corruptor que a direita
brasileira. Sua voz, a Globo, sonegou apenas num caso 1 bilhão de reais numa
trapaça em que tratou a compra dos direitos de transmissão de uma Copa como se
fosse um investimento no exterior.
Foi assim como o “Mar de Lama”
inventado contra Getúlio, em 1954. Foi assim com Jango, dez anos depois, alvo
do mesmo tipo de acusação sórdida e mentirosa.
E foi assim agora.
Por que o uso repetido da “corrupção”
como forma de dar um golpe? Porque, ao longo da história, funcionou.
O extrato mais reacionário da classe
média sempre foi extraordinariamente suscetível a ser engabelado em campanhas
em nome do combate – cínico, descarado, oportunista – à corrupção.
A mídia – em 54, 64 e agora – faz o
seguinte. Ignora a real corrupção a seu redor. Ao mesmo tempo, manipula e
amplia, ou simplesmente inventa, corrupção em seus adversários.
Agora mesmo: no calor da roubalheira
de um grupo nascido e crescido nas gestões de Serra e Kassab na prefeitura, o
foco vai se desviando para Haddad. Serra é poupado, assim como em outro
escândalo monumental, o do metrô de São Paulo.
Voltemos um pouco.
A emenda que permitiu a reeleição de
FHC passou porque foi comprado apoio para ela, como é amplamente sabido.
Congressistas receberam 200.000 reais em dinheiro da época – multiplique isso
por algumas vezes para saber o valor de hoje — para aprová-la.
Mas isso não é notícia. Isso não é
corrupção, segundo a lógica da mídia.
O caso do Mensalão emergiu para que
terminasse como ocorreu em 1954 e 1964: com a derrubada de quem foi eleito
democraticamente sob o verniz da “luta contra a corrupção”.
Mas a meta não foi alcançada – e isso
é uma extraordinária vitória para a sociedade brasileira. No conjunto, ela não
se deixou enganar mais uma vez.
O sonho de impeachment da direita
fracassou. Ruiu também a esperança de que nas urnas, sob a influência do
noticiário massacrante, os eleitores votassem nos amigos do 1%: Serra conseguiu
perder São Paulo para Haddad, um desconhecido.
O que a voz rouca das ruas disse foi:
estão tentando bater minha carteira com esse noticiário.
O brasileiro acordou. Ele sabe que o
que a Globo — ou a Veja, ou a Folha – quer é bom para ela, ou elas, como
mostram as listas de bilionários brasileiros, dominadas pelas famílias da
mídia. Mas não é bom para a sociedade.
E por estar acordado o brasileiro
impediu que o Mensalão desse no que o 1% queria – num golpe.
Por isso, o vinho que será tomado
pela prisão de Dirceu será extremamente amargo.