Em meio à onda de
protestos que há algumas semanas tem produzido muita notícia no Brasil, sendo
umas comprometidas outras “enviesadas”, o ex-presidente Luís Inácio Lula da
Silva, em entrevista à jornalista Cristiane Agostine do Jornal Valor Econômico,
emite sua opinião quando ao contexto de manifestações país afora, bem como ao
que ele chama de “comportamento democrático” da presidente Dilma.
A entrevista
Valor: Como o senhor viu essas manifestações? O que
levou as pessoas às ruas?
Luiz Inácio Lula da
Silva: Eu acho que no Brasil temos
prefeitos, governadores, presidente da República… Eu sou um curioso nesse
aspecto. A primeira coisa que eu acho é que toda vez que um povo se manifesta é
sempre muito importante. Acho que democracia exige que o povo esteja sempre em
movimento, em manifestação, sempre reivindicando alguma coisa. As
reivindicações que o povo está fazendo, de melhoria de transporte, de saúde, de
educação isso é próprio do processo de crescimento que o Brasil vem enfrentando.
Se você analisar que em dez anos mais do que dobrou o número de universitários
no Brasil e de alunos nas escolas técnicas, e que houve a evolução social de
uma camada da sociedade, essas pessoas cada vez mais querem mais. É assim.
Quando aconteceu a greve dos metalúrgicos em 1978 as pessoas se perguntavam por
que os trabalhadores fizeram greve. Eu dizia: porque eles tinham aprendido a
comer um bife e estavam tirando o bife deles! Começaram a brigar para não
perder o bife! Na medida em que as pessoas tiveram uma evolução social, é
normal que elas queiram mais coisa. De vez em quando as pessoas reclamam que os
aeroportos estão cheios. É lógico que tem que estar cheio! Em 2007 você tinha
48 milhões de passageiros voando de avião. Hoje você tem 101 milhões de
passageiros. Obviamente que vai ter gente brigando. Você não tem [briga de
passageiros] de ônibus, porque a quantidade de passageiros que andavam de
ônibus em 2007 é a mesma de 2012. Na medida em que as pessoas vão evoluindo vão
querendo mais. Eu acho importante. Eu acho que se as pessoas questionam custo
da Copa as pessoas que organizaram que contrataram têm que mostrar. Não tem
nenhum problema fazer esse debate com a sociedade. E é fazendo o debate que
você separa o joio do trigo. Quem quer realmente debater, está interessado em
fazer coisa séria e aquilo que é justo. Nesse aspecto Dilma tem tido um
comportamento importante. De entender o movimento, tentar dialogar com o
movimento e construir as propostas possíveis. Se a gente tiver qualquer
preocupação com o exercício da democracia é muito ruim.
Valor: O senhor se reuniu com Dilma e Haddad
durante a crise. O que o senhor disse a eles? Faltou ouvir as ruas?
Lula : A coisa que o Haddad mais ouviu foi as ruas. Ele tinha acabado de
sair de uma eleição. Primeiro ele ganhou as eleições por causa da proposta de
transporte que fez para São Paulo, que era para novembro, mas talvez ele
antecipe, não sei se tem condições de antecipar (proposta do Bilhete Único
Mensal). A propaganda do Haddad era o seguinte: da porta para dentro muita
coisa melhorou nesse país, mas da porta para fora nada foi feito. E ele dizia
que em São Paulo em oito anos não havia sido feito nenhum corredor de ônibus.
Ninguém pode, em sã consciência, nem o prefeito, nem o vice-prefeito, nem um cidadão
qualquer dizer que o transporte em São Paulo é de qualidade. O metrô era de
qualidade quando andava pouca gente, quando tinha condição de sentar. Mas agora
que você tem passageiro para três vagões andando em um vagão, vai piorando a
qualidade. O que eu acho que pode acontecer no Brasil é as pessoas se
convencerem que de quando em quando gente precisa refletir sobre o que está
acontecendo, conversar com as pessoas e tentar construir aquilo que precisa ser
construído. É por isso que elogiei o comportamento da Dilma nessas coisas. Ela
humildemente foi conversar com todos os segmentos da sociedade. Não se recusou
a conversar com nenhum.
Valor: Não demorou muito para fazer isso?
Lula: Não demorou. Ela conversou no momento certo. Não poderia ter
conversado antes, para discutir qualquer movimentação. O que a gente tem que
entender é o seguinte: a realidade no mundo é outra, o povo está mais exigente,
está tendo cada vez mais acesso a informação. Hoje o povo não precisa esperar o
jornal no dia seguinte, a televisão à noite. As pessoas estão acompanhando as
coisas 24 horas por dia. As pessoas não estão mais lendo notícia. Estão fazendo
notícia. Eu acho que essa coisa é que é interessante. Nesse momento só tem uma
solução: é pensar, conversar e começar a colocar em prática coisas que seja
resultado das discussões com a sociedade.
Valor: O senhor concorda com essa proposta de
plebiscito sobre reforma política? O senhor ficou irritado com o fato de a
presidente ter consultado o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?
Lula: Eu não posso fazer julgamento de acordo feito entre partidos
políticos. Cada partido esteve representado com seu presidente e eles decidiram
fazer o que tinham que fazer e vão colocar em prática. Não sei como é que vão
colocar em prática, mas vão colocar. Nós temos o direito de conversar com quem
bem entenda. Eu até agora não ouvir dizer que Dilma conversou com Fernando
Henrique Cardoso. Ouvi setores da imprensa dizendo que ela conversou o que ela
não confirmou em nenhum momento. Mas conversar com FHC, com Sarney, com Collor,
com Lula, é a coisa mais natural que um presidente tem que fazer. É conversar
com as pessoas. É o seguinte: o Brasil vive um momento extraordinário de
afirmação de sua democracia. Somos um país muito novo no exercício da democracia.
Se você quiser pegar a eleição do Sarney como paradigma ou a aprovação da
Constituição em 1988 temos 25 anos de democracia contínua. É o período mais
longo. É normal que a sociedade esteja como uma metamorfose ambulante, se
modificando a cada momento. É muito bom para o Brasil.
Valor: Mas não preocupa o abalo na popularidade da
presidente, que caiu 30 pontos percentuais desde o inicio do mês?
Lula: Veja, querida, não me preocupa. Se tem um cidadão que já subiu e
desceu em pesquisa fui eu. Em 1989 teve um dia no mês de junho que eu queria
desistir de ser candidato porque eu tinha caído tanto que ia sair devendo para
o Ibope (risos). Então eu cheguei a pensar em desistir porque não tem como eu
pagar voto. Só tenho o meu. E depois com tantos figurões disputando a eleição
fui eu que fui para o segundo turno. A Dilma é a mais importante candidata que
nós temos, a melhor. Não tem ninguém igual a ela para ser candidata à
Presidência da República. Portanto ela será a minha candidata.
Valor: O senhor volta em 2014?
Lula: Não
Entrevista extraída de: www.contextolivre.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário