De como a História faz falta e... a
frase “O povo quer voltar a sonhar!”
Por Cristiano das Neves Bodart
Blog CAFÉ COM SOCIOLOGIA
Não
se trata de defender quem hoje está no Governo. Trata-se de denunciar a
ignorância instalada na sociedade desde as caravelas. Ignorância essa que, como
dizia Umberto Eco, tornou-se mais perceptível pelo fato das redes sociais tornarem-se
microfones de qualquer um, idiota ou não.
"O
povo quer voltar a sonhar!" Se por sonhar entendemos o ato de não
viver a realidade, a frase carrega uma grande verdade. Conhecer ofusca a visão,
já dizia Platão por meio de sua alegoria conhecida como “mito da caverna”. Nos
tempos idos, mas não remotos, a percepção da corrupção era praticamente
inexistente, pois o coronelismo, e depois a ditadura militar, impediam o seu
desvelamento. O povo vivia um sonho, uma realidade fictícia construída por
interesses de grupos. Porém, tínhamos uma sociedade ainda mais desigual e
marcada pela precariedade socioeconômica, com IDH assustador. O desenvolvimento
industrial foi excludente e o “bolo” repartido com alguns poucos, em “festas de
bacanas”. A grande maioria hão havia sido convidado, como protestava Cazuza.
Querer não ver é parte da posição do maior cego. Não desejo “voltar” a sonhar.
Desejo ver um país real, onde o Ministério Público denuncia, a Polícia Federal
e a justiça condena corruptos, sobretudo grandes empresários que se beneficiavam
de forma indevida de grandes obras e prestações de serviço. Não quero fechar os
meus olhos. Eu não quero voltar a sonhar!
Gritam: “O
povo quer voltar a sonhar!” Se por sonhar entendemos uma vida melhor, a
frase está equivocada. Voltar a quando? Quando tivemos um país melhor? Quando
éramos um Império marcado pela escravidão? Quando éramos um país ditado pela
lógica do coronelismo e do patrimonialismo? Quando vivíamos debaixo da Ditadura
civil e a Militar? Seria nos anos de 1980, conhecida como década perdida? Ou
quando nos anos de 1990, momento que estávamos mergulhados em uma inflação que
massacrava os mais pobres? Voltar para quando? Para os anos 2000, marcados pelo
desemprego e as constantes reportagens de pessoas que morriam de fome no
Nordeste e no Norte brasileiro? Se sonhar significa “vida melhor”, não entendo
o emprego do verbo “voltar” utilizado na frase. Acha mesmo que já estivemos em
melhores condições enquanto nação? Dê uma fuçada nos dados estatísticos
referentes ao índice de Gine e ao ao IDH, por exemplo (pena que esses existem a
poucas décadas, o que impede uma comparação de longa duração). Busque dá uma
espiada nos dados referentes ao analfabetismo, aos números de matrículas da
escola básica e no ensino superior. Busque o número de projetos sociais
praticados pelos governos para atender quem mais precisa. Alguns irão dizer que
antes a escola era melhor, o que é verdade. Pena que gente como eu, não tinha
lugar nela... não era para o povo. Quando antes tivemos mais direitos
garantidos? Quando antes tivemos mais participação social na gestão pública?
Quando antes havia mais transparência das contas públicas? Quando antes era
mais fácil identificar atos de corrupção? Quando antes se discutia questões de
igualdade? Quando antes tivemos mais gente escrevendo e lendo (ainda que apenas
nas redes sociais)? Quando? Voltar para quando?
No
sentido de desejar o melhor, a frase mais sensata, seria “O POVO MERECE
SONHAR!” Ou “O POVO QUER SONHAR AINDA MAIS”. Não dá para dizer que o ontem era
melhor do que o hoje. Isso é desconhecer nossa história… e não se trata de
dizer que partido A ou B deva assumir ou permanecer no poder. Isso é outra
longa história.
Outra
possibilidade de frase correta seria a exclusão da palavra “povo” e inclusão da
palavra “elite”. Acredito que essa alteração é mais fácil de ser feita, uma vez
que historicamente acostumou-se excluir o povo em detrimento da centralidade da
elite.
Eu
quero sonhar mais! Está bom como está? Certamente não; mas sejamos honestos e
conscientes e vamos exigir mais e não menos. “Avançar” é somar, “voltar” é
subtrair. Com o velho teremos o que já bem conhecemos. Se não conhecemos,
tomemos nesta hora os livros de História do Brasil.
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