Torturadores impunes
Muito se fala de impunidade no Brasil. Tenho convicção de que a
origem dessa impunidade está na ditadura imposta em 1964. Os ditadores nunca
foram punidos. Muito menos os torturadores que fizeram o mais sujo dos serviço
para o regime comandado por generais que jamais tiveram a chancela do voto
direto. O Brasil é um dos poucos países com ditadura recente a poupar os seus
ditadores e os seus torturadores de qualquer punição. Isso se deu pela Lei da
Anistia, de 1979, lei de autoanistia pela qual a ditadura aceitou a volta dos
exilados em troca da autoabsolvição dos crimes dela mesma.
O problema é que os resistentes à ditadura foram punidos com
exílio, prisão, tortura, cassações de mandato, mortes e, vale destacar, com
processos julgados pelo Superior Tribunal Militar. Um lado foi julgado e
condenado.
O outro, o dos ditadores e torturadores, não.
O jornalista Luiz Cláudio Cunha resumiu: “A conta da ditadura de
21 anos prova que ela atuou sem o povo, apesar do povo, contra o povo. Foram
500 mil cidadãos investigados pelos órgãos de segurança; 200 mil detidos por
suspeita de subversão; 50 mil presos só entre março e agosto de 1964; 11 mil
acusados nos inquéritos das Auditorias Militares, cinco mil deles condenados,
1.792 dos quais por “crimes políticos” catalogados na Lei de Segurança
Nacional; dez mil torturados nos porões do DOI-CODI; seis mil apelações ao
Superior Tribunal Militar (STM), que manteve as condenações em dois mil casos;
dez mil brasileiros exilados; 4.862 mandatos cassados, com suspensão dos
direitos políticos, de presidentes a governadores, de senadores a deputados
federais e estaduais, de prefeitos a vereadores; 1.148 funcionários públicos
aposentados ou demitidos; 1.312 militares reformados; 1.202 sindicatos sob
intervenção; 245 estudantes expulsos das universidades pelo Decreto 477 que
proibia associação e manifestação; 128 brasileiros e dois estrangeiros banidos;
quatro condenados à morte (sentenças depois comutadas para prisão perpétua);
707 processos políticos instaurados na Justiça Militar; 49 juízes expurgados;
três ministros do Supremo afastados; o Congresso Nacional fechado por três
vezes; sete assembleias estaduais postas em recesso; censura prévia à imprensa,
à cultura e às artes; 400 mortos pela repressão; 144 deles desaparecidos até
hoje”. Basta?
Como não houve punição aos criminosos do lado da ditadura, os
saudosos dos anos sujos vão festejar os 50 anos do golpe de 1964. Esse o
resultado da impunidade no Brasil. O homem comum se diz: se é permitido dar
golpe de Estado, derrubar presidente, torturar, matar, armar atentados como o
do Rio-Centro, sem qualquer punição, então a bandidagem está liberada. Basta
arranjar um pretexto como salvar o país do comunismo. O Brasil é mesmo
original: aqui, torturador não se envergonha, não é punido, vive tranquilamente
e ainda comemora. Mais do que isso, ainda encontra defensor na mídia com aquele
discurso fraudulento: se é para punir, tem de punir os dois lados. Um lado já
foi punido. Só falta o outro.
A impunidade no Brasil tem origem no regime militar.